quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

AO CANTAR DO CUCO - BELEZAS DO ALENTEJO

" EXPLICAÇÃO SOBRE ESTE TEMA DE HISTÓRIA NATURAL"

Dizem estudos sobre a ornitologia, e eu constatei, enquanto guardador de rebanhos e camponês observador, a veracidade a que tais estudos conduziram, que o cuco, depois de depredar os ninhos de outras aves mais pequenas, comendo-lhes os ovos, coloca nesses ninhos depredados, em cada um um ovo, da sua própria postura, que abandona a um processo levado a cabo por essas aves que lhe alimentam e criam os filhos, sendo a felosa a que mais costuma deixar-se enganar, enquanto que, por exemplo, o "picanço", ao que eu próprio constatei, luta denodadamente contra o cuco, pelas suas posturas e pela criação da prole. O "gaio", sendo uma ave da compleição idêntica à do cuco, tem com ele, em pleno ar, também grandes lutas e, o "pintassilgo" e outras aves de pequeno porte, nidificam em ramos muito frágeis onde o cuco não se aventura a poisar, daí o sentido do meu poema escrito à laia de fábula, já que os humanos também sempre andaram, cá neste mundo, a comerem-se uns aos outros.
Por outro lado, a sabedoria popular, para os casos em que se consta que nos casais humanos o homem é preguiçoso e a mulher muito ativa e empenhada na provisão do lar, criou o seguinte adágio:
ANDA A FELOSA A GOVERNAR O CUCO.

 TÍTULO DO SONETO: O BOSQUE EM ALVOROÇO

Enquanto canta o cuco, diz o gaio:
Já chegou o malandro, preguiçoso...
Que vamos nós fazer? Ave dum raio...
Eu nunca vi um tipo tão manhoso.


O pintassilgo diz: Daqui não saio!
Vou procurar o ramo mais ventoso,
Que eu já me habituei, de lá não caio
e o cuco é grandalhão mas é medroso.


Já começou no bosque o alvoroço,
e quando o cuco emite as suas notas
chilreia insegura a passarada;

mas, a "felosa" diz: Eu cá, não ouço...
Enquanto alguns vão dando corda às botas
vai ficar p'ró martírio, a desgraçada!

       Matos Serra

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

DANÇANDO NA BRISA LEVE - BELEZAS DO ALENTEJO

AS CEGONHAS

Passam rasando o vale e lá vão indo
pequenas formações como esquadrilhas,
vão ao sabor do vento, as andarilhas,
traçando sobre o monte um quadro lindo;


dançam na brisa leve e vão subindo,
vogando à frente, as mães guiam as filhas,
quando alguma se atrasa fica a milhas
e faz parecer o bando desavindo.


Lá longe, já pousaram as primeiras,
cumprindo o seu papel de mensageiras,
num eterno retorno da beleza...


São senhoras do vale, e, delicadas...
já passeiam alegres, descuidadas,
e tornaram mais bela a natureza.

        Matos Serra, in
       "Belezas do Alentejo"

O ALENTEJO E O ALQUEVA

TÍTULO: METÁFORA DO VERDE-RIO
"O ALENTEJO ENTRE A ESPERANÇA E A INCERTEZA"

Da poética tradicional alentejana e com mote dado pelo reconhecido poeta alentejano, Professor António Simões, nos Jogos Florais do Alentejo, realizados em Estremoz em 2003, foi distinguido com o 1-º Prémio.

MOTE
Alentejo vai ser verde,
do Alqueva vem a água.
Se nos matas fome e sede...
mata também nossa mágoa.

Será... que o verde é de esperança
ou a esperança é insegura...
neste verde da planura
a perder-se na distância?
Ou sonho que não se alcança,
perspetiva que se perde?
Como o meu estro... que em breve...
perde tom, perde harmonia...
e nem sequer na poesia
O Alentejo vai ser verde.

Pode ser um verde puro...
um verde alegre e risonho,
verde mar, de céu, de sonho...
e que possa ser seguro
na certeza de um futuro
que não seja verde mágoa...
um verde vinho que traga
euforias  e esperanças.
Se é p'ró verde das mudanças...
Do Alqueva vem a água.

À tona do verde rio
verdes sonhos vão vogando...
sonhos que vamos sonhando
dias e anos a fio...
Cada sonho é um navio
com sua bandeira verde...
o verde anseio, que não cede
ao que havemos já sonhado...
Mata o nosso triste fado
Se nos matas fome e sede.

Frescura da verde margem,
ternura da verde cor...
verdes meus sonhos de amor
espraiados na paisagem.
Vejo subir na barragem
a água mansa que alaga,
é carinho que me afaga
com sua doce brandura...
Se nos matas de ternura
Mata também nossa mágoa.

 Matos Serra, in O Alentejo, as Terras e as Gentes.

O ALENTEJO O AMBIENTE E O CLIMA

TÍTULO: O SEGUNDO MILAGRE DAS ROSAS

Em dez de Janeiro de 2003 eram muitas, como geralmente acontece ainda por essa altura, e lindas... as rosas que  havia no roseiral do muro da minha pequena quinta, situada no vale das termas de Cabeço de Vide e, eu compus, então, esta brincadeira em forma de soneto.



Ainda há rosas no roseiral do muro...
Vistosos e frondosos ramos dão,
viçosas, muitas rosas em botão,
perfumando o ar deste vergel tão puro!...


Formosas, estas rosas, e eu juro:
Este milagre, sem Isabel de Aragão...
Menos milagre é do Céu que deste chão
que será o jardim do meu futuro.


Afinal... Em Janeiro também há rosas...
Não percebo a razão de tantas prosas
acerca do milagre de Isabel!...


Cá por mim... para que a vida me console...
Sou crente deste chão e deste sol,
da natureza e do ar puro deste vergel!


     Matos Serra, in
     Monte da Bica

A VIDA ALENTEJANA E A TRADIÇÃO

TÍTULO: TRADIÇÃO E FESTA BRAVA

(Numa tarde monfortense de tourada à vara-larga,
em tempos que já lá vão)

O touro, desembestado, em correria,
a mostrar o fulgor da sua raça,
irado p'lo fragor da gritaria
limpou de ponta-a-ponta toda a praça.
Perante a imponência que exibia
surgiu um valentão de bigodaça,
não sei se era a pura valentia
ou efeito do vinho ou da cachaça...

Uns três, ou quatro... ajudas decididos,
resolveram apoiar o valentão...
e, enquanto se ouvem alaridos,
o touro irritado escarva o chão...
E, eis então... assim, por obra e graça
de tanta valentia e decisão...
ou, talvez, p'los efeitos da morraça,
já todos preparados p'rá ação.

O touro levanta a córnea exuberante...
das ventas saem nuvens de fumaça,
deixa o grupo de valentes hesitante,
já se teme, até, que se desfaça...
a valentia é coisa já distante,
e, perante o medo que perpassa,
o touro ataca o grupo vacilante
e corre dali todos à palhaça!...

    Matos Serra, in
    Recordações de infância

AMBIENTE DO ALENTEJO - A ORNITOLOGIA

MARÇO É O TEMPO DOS AMORES

Mês de Março - é o tempo dos amores
ouço canções p'las sebes e silvados,
explodem em cor os campos e os prados
e brotam dos valados rios de cores.


Ensaiam os seus cantos sedutores,
mostrando-se gentis enamorados,
afinando, ao limite, os seus trinados
os alados e viris conquistadores.

No interior do bosque canta o cuco,
com seu canto enganada anda a felosa,
combativos o gaio e o picanço...

E... todo o povo alado anda maluco
com esta novidade pavorosa:
O CUCO ANDA A TRAMAR-LHES O DESCANSO.

Matos Serra, in
MUSA ALENTEJANA